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Currículo como ferramenta de aprendizagem

Currículo como ferramenta de aprendizagem, desenvolvimento de competências e redução de custos

Rui Fava

13.ABR.2020

Se quiser derrubar uma árvore na metade do tempo, passe o dobro do tempo amolando o machado, me ensinava meu épico e querido pai, citando um ancestral provérbio chinês. Acredito piamente que as dificuldades, imprecisões e lacunas da educação estão no planejamento curricular e não na escolha metodológica. São os conteúdos a serem ensinados, as competências e habilidades que serão desenvolvidas que determinam a metodologia a ser utilizada e não o contrário.

Se quiser derrubar uma árvore na metade do tempo, passe o dobro do tempo amolando o machado, me ensinava meu épico e querido pai, citando um ancestral provérbio chinês. Acredito piamente que as dificuldades, imprecisões e lacunas da educação estão no planejamento curricular e não na escolha metodológica. São os conteúdos a serem ensinados, as competências e habilidades que serão desenvolvidas que determinam a metodologia a ser utilizada e não o contrário.

 

Planejar o currículo, consiste em estabelecer a meta, o caminho (método), a organização, o sequenciamento e a diretriz para atingir a aprendizagem e o desenvolvimento das competências e habilidades programadas. Simboliza a escolha e as respostas às perguntas: O que e por que ensinar? Como esse conhecimento deve ser organizado? Quais serão os custos de implementação e operacionalização? Para muitos educadores reticentes o planejamento não é certeza de sucesso. Argumentaria que não planejar, mormente em tempos de crise como essa do COVID19, é a asseveração do erro, do currículo ultrapassado, da perda de oportunidade de evoluir e realizar algo novo e produtivo, de egressos malformados e inúteis para as exigências do mercado hodierno. Dito isso, um adequado planejamento de currículo não necessariamente evita problemas, mas indubitavelmente ilumina e elucida caminhos.

 

A título de contextualização, salientaria que desde os primórdios da humanidade, a tecnologia impera provocando evoluções e revoluções. Contudo, hodiernamente, a Tecnologia Digital Cognitiva (TDC) está promovendo uma convulsão implacável, pois ganhou um aliado impetuoso, o COVID19, que colocará uma despautéria velocidade nas metamorfoses, nunca antes imagináveis. O futuro se adiantou de um jeito apavorante e catastrófico, certamente o mundo não será mais o mesmo após essa perversa pandemia. A transmutação não será meramente técnica, mas mormente de comportamento e postura profissional e cidadã. Apenas para citar algumas mutações:

 

A presencialidade passará a não se referir somente à presença física. O estudante irá interagir, aprender e se relacionar no mesmo tempo, mas não obrigatoriamente em idêntico espaço. O docente poderá trabalhar em home office, coworking ou em qualquer espaço que melhor lhe convier. Se o Ensino Híbrido (Blended Learning) é filhote da Educação a Distância, a presencialidade será a cria do Ensino Presencial;

 

Se o mote estava no desaparecimento do professor transmissor de conteúdo, o COVID19 acelerou o processo e exigiu que tenha habilidade de ensinar e desenvolver competências à distância.  O expediente remoto tornou-se uma realidade. Aqueles docentes que não aceitavam o trabalho online, de repente foram forçados a fazê-lo. Muitos descobriram que são analfabetos digitais e que, à vista disso, serão eliminados mais rapidamente do que esperavam. Em outras palavras, o COVID19 provoca o genocídio não somente de idosos e debilitados, mas eliminará também os educadores analógicos;

 

Os Sofistas, sábios da Grécia Antiga, que atuavam como professores ambulante ensinando a arte da retórica, voltarão na conformação de Sofistas Digitais. Possuem disciplina, proatividade, automotivação, sabem gerir o tempo, são digitais. Isso exprime que não será mais admissível um professor que não saiba trabalhar com tecnologia, seja para preparação dos desafios ou para trabalhar à distância, por meio de comunicação síncrona e/ou assíncrona;

 

A escola não será mais a mesma com advento da TDC, mutação essa acelerada pelo COVID19. O currículo será por competências e não por desafios. O professor desfrutará não mais das funções, quase que únicas, de preparar e transmitir conteúdos, mas saber construir desafios e projetos que levem ao desenvolvimento das competências desejadas pelo estudante e pelo mercado, presencialmente e/ou a distância.

 

Em breve a tutoria será executada unicamente por meio de inteligência artificial, restando ao professor o desenvolvimento das competências técnicas e socioemocionais. Dessa forma, o processo de ensino e aprendizagem desloca-se para processo de ensino, desenvolvimento e aprendizagem, sendo o ensino para incremento da inteligência de escola e o desenvolvimento para ampliação da inteligência de rua (mercado).

 

Currículo refere-se ao projeto de aprendizagem proveniente dos objetivos almejados, ou seja, padrões de competências, habilidades, conhecimentos e práticas intencionadas. Trata-se de um mapa de como alcançar os resultados da escola em termos de desempenho operacional, financeiro e econômico e da performance do estudante, no qual são sugeridos conteúdos a ser instruídos, desafios, atividades experienciais, práticas experimentais e avaliações apropriadas para aumentar a probabilidade de sucesso. O Currículo é mais do que um rol de disciplinas rigidamente sequenciadas, visto que, além de mapear as competências, habilidades, conteúdos, tópicos e desafios, designa as experiências, atribuições, responsabilidades e avaliações mais apropriadas para o alcance das metas planejadas, seja da escola, seja dos estudantes.

 

Venho construindo há alguns anos, o que denomino de Currículo 30-60-10, para desenvolvimento de competências. A proposta é planejar o currículo nessas proporções, sendo 30% para preparação do estudante, ou seja, homogeneização dos conhecimentos prévios e aprendizagem dos conteúdos básicos e de fundamentos de cada área. 60% utilizados para o desenvolvimento das competências programadas que afluem com as próprias experiências do estudante aplicando os conteúdos por meio de desafios (desenvolvimento de projetos, resolução de problemas, inovação de serviços, pesquisa laboratorial, simulações) e os demais 10% para a aprendizagem social, em outras palavras, testar a aplicação e transferência dos conhecimentos e competências no mundo real fora da escola, bem como, interações com os stakeholders visando a criação de network.

 

O currículo 30-60-10, enuncia o que o aprendiz deverá alcançar ao sair, quais os resultados almejados, quais competências e habilidades ambicionadas, quais conteúdos deverão ser assimilados. Em suma, assinala os outputs esperados e os meios para auferi-los. Resultado desejado, significa que todos os objetivos, metas, padrões pretendidos sejam dominados. O que o estudante deve saber, compreender, fazer, criar, analisar, avaliar, aplicar, explicar, sintetizar, transferir ao final da jornada, expressos em termos de desempenho de um produto, serviço, projeto, resolução de problema.

 

Os conteúdos teóricos de fundamentos e específicos, representam 30% do desenvolvimento das competências. Isso significa que, para ter um aprendizado completo, é indispensável adquirir os conteúdos essenciais e importantes da área de conhecimento estudada, que levará a aquisição da inteligência de escola, sair-se bem no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e Exames das Corporações, se houver. Os conteúdos deverão ser assimilados através de estudos online e presencialmente, bem como, por meio da realização de atividades de aprendizagem propostas pelo professor que, quando julgar pertinente, poderá promover encontros de transmissão e esclarecimentos dos tópicos mais obscuros. Dois pontos a ressaltar: 

 

Os conteúdos básicos e de fundamentos, serão vinculados e associados aos conteúdos específicos estudados e aplicados em cada atividade dos desafios.

 

Para que o aprendiz tenha base científica, é relevante evidenciar a essencialidade dos conhecimentos teóricos básicos e de fundamentos, no entanto, enfatiza-se que sem a aplicação e a prática, torna-se inviável a memorização e assimilação permanente.

 

Ao afirmar que 60% da aprendizagem intercorre com as próprias experiências, significa que os aprendizes conseguem desenvolver as competências de maneira mais efetiva quando vivenciam seus próprios desafios, responsabilidades e experimentações. Em outras palavras, o aprendizado vai resultar de suas ações e interações reais e simuladas do mundo fora dos muros da escola, visto que o estudante irá adquirir inteligência de rua (mercado), ao testemunhar na prática como as coisas funcionam, de que forma deverá agir para aplicar e transferir os conhecimentos assimilados, desenvolver projetos, solucionar problemas e resolver os desafios propostos. Faz jus evidenciar que:

Existirá um rol de conteúdos específicos que deverão ser previamente assimilados, bem como, um conjunto de habilidades que serão desenvolvidas na execução de cada atividade relacionada ao desafio que está sendo trabalhado;

 

A presencialidade, no conceito acima descrito, não se refere necessariamente à presença física, considerando um mesmo espaço e um idêntico tempo, uma vez que, com as possibilidades da tecnologia de comunicação e informação, é factível estabelecer tal relação e interação virtualmente. Esta nova visão proporciona um hodierno formato à educação e possibilita a construção de uma rede de relacionamentos muito mais ampla no processo de ensino, desenvolvimento e aprendizagem, capaz de produzir mais conhecimento, bem como, o desenvolvimento de competências e habilidades.

 

Ao se referir à construção de conhecimento e ao desenvolvimento de competências à distância, é preciso ter em mente que a maior dificuldade é manter o estudante interessado, o que pode ser alcançado por meio de uma escolha adequada da diversidade de ofertas tecnológicas, bem como, de desafios bem elaborados e atrativos, associados a orientação que deverá estar sempre interagindo e instigando o aprendiz, levando-o a um maior entusiasmo pelos temas propostos.

 

Por último, tão importante quanto, são os 10% do currículo destinados à aplicação e transferência, que ocorrem por meio da interação com colegas, docentes, mercado e com os profissionais que sabem aplicar os conteúdos na prática. Ao observar como o outro realiza as atividades, ao dirimir dúvidas e receber feedback, ao praticar, o aprendiz vai compreendendo os processos e os meios mais simples e eficazes de realizar cada atividade dos desafios propostos. Serão realizadas atividades de estágio, extensão, pesquisa aplicada, melhoria de produtos e serviços, desenvolvimento de projetos, e resolução de problemas reais por meio de Projetos Integradores e de Extensão (PIE) junto a comunidade onde ocorrerá a fluência, a interação e aquisição de uma boa rede de relacionamento (network).

 

O PIE também tem a incumbência de cumprir a Resolução MEC/CNE/CES nº 7/2018 que, em seu artigo 4º define:

 

As atividades de extensão devem compor, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, as quais deverão fazer parte da matriz curricular dos cursos.

 

Independentemente da metodologia de instrução aprazada, vale a pena atentar à percentagem 30/60/10, tomando o cuidado para que o processo de ensino, desenvolvimento e aprendizagem esteja sincronizado. Não obstante, é realista imaginar a inviabilidade de seguir esses percentuais de forma literal, posto que os desafios são diversificados, as vezes imprevisíveis, uns mais dinâmicos e complexos, outros menos; a aprendizagem não é, nunca foi linear, bem como, existe uma latente desigualdade na assimilação, na profundidade de conhecimentos atávicos e experiências de cada aprendiz. Todavia, quanto mais perto for possível chegar desse padrão, mais chances existem de se desenvolver profissionais de alta performance que possuem boa base teórica, bem como, excelente experiência prática.

 

Consonante a gestão de negócio, o planejamento curricular 30-60-10, está pautado na estratégia low cost and high performance. Todos os projetos inerentes deverão possuir custo adequado e performance suficiente. Em outras palavras, um projeto com baixo custo e performance ruim, não se amolda, o mesmo ocorrendo para outro com alto desempenho, mas um custo exagerado. A competência do gestor está em encontrar com clareza e precisão a linha divisória do equilíbrio diante dessas duas perspectivas.

 

Porquanto, o currículo 30-60-10, tem como pilar o desenvolvimento de competências por meio de desafios e não disciplinas, o paradigma de docente por turma é transmutado para professor por estudante. O docente irá acompanhar o percurso do aprendiz mediando, fazendo coaching, orientando no desenvolvimento dos desafios, incentivando, motivando, minimizando as dificuldades. Para a escola representa o fim da linearidade, de salas com número reduzido de estudantes passivamente enfileirados, que aumentam os custos, diminuem a produtividade, criam um ambiente de tédio, enfado e desinteresse. Os estudantes serão ramificados por desafios e projetos com número não superior a seis participantes por mesa, oportunizando a discussão, reflexão, argumentação, experiência, colaboração, resiliência, trabalho em equipe e aprendizagem entre pares. O docente terá sobre sua responsabilidade não menos que 40 e não mais que 60 discentes, proporcionando tempo e disponibilidade para o devido acompanhamento personalizado seja do grupo ou individual.

 

O axioma é incipiente, mas o futuro da aprendizagem é empolgante. É fato que o currículo tradicional não consegue desenvolver os profissionais aptos ao mercado hodierno, uma vez que transmite, mas não ensina a buscar informação, em outras palavras, não desenvolve a inteligência decernere, a aptidão de rastrear discernir, escolher e tomar boas decisões. As metodologias ativas também não medram, porquanto, o objetivo é aplicar os conteúdos ensinados para desenvolver a inteligência volitiva e a proatividade. 

 

O embaraço é que nos últimos anos a educação está passando por fases de muitos modismos. Há pouco tempo atrás, foi a classe invertida (flipped classroom), atualmente a metodologia ativa é a estrela do firmamento. Daí o atraso da educação em se adaptar aos novos paradigmas provocados pelas Tecnologia Digital Cognitiva (TDC), inteligência artificial, big data e internet das coisas. Como diz o ditado popular, se algo inevitável não acontece pelo amor, decorrerá pela dor. O COVID19, essa pandemia avassaladora, que está provocando aflição, pânico e desalento não somente pela morte de pessoas, mas também como aliada da TDC ao acelerar mutações disruptivas sem precedentes, que nem se cogitavam no médio prazo na educação. Provocou mutações não somente na forma de se ofertar instrução, mas mormente no comportamento e atitude dos educadores, estudantes, enfim, dos stakeholders.

 

Atualmente, existem vários mendazes especialistas evangelizando a utilização de metodologias ativas para educação da 4a Revolução Industrial, nas quais a escola se torna um teatro, a sala de aula o palco, onde o professor deveria se vestir de mambembe para fazer com que os estudantes fiquem motivados, felizes e ativos. Essa venerável cena está muito mais nas palestras e apresentações, uma vez que, no momento em que o docente retorna para sua realidade, descobrirá que não consegue aplicar as atividades propositadas em um currículo tradicional.

 

Sou defensor de que não existe metodologia ativa e sim aprendizagem ativa. Mesmo a nomenclatura aprendizagem ativa concerne-se num pleonasmo inapropriado, todavia, aceitável, porquanto, a neurociência cognitiva testifica que não se encontra assimilação passiva, daí a indispensabilidade da pluralidade na educação, bem como, a aplicação de metodologias híbridas e não métodos únicos, como é o caso do modismo atual com as metodologias ativas. A metodologia híbrida divide-se em:

 

Metodologia instrucional: Objetiva a aquisição dos conhecimentos necessários para aculturar o estudante e desenvolver as competências e inteligência de escola. Poderá levar o discente a aprendizagem ativa, se o docente tiver experiências e exemplos reais de projetos e problemas referente ao conteúdo a ser assimilado. Nesse caso, o professor não somente transmite, por meio de palestra o conteúdo teórico, mas demonstra a real utilização com exemplos reais vivenciados por ele. É esse o motivo que, no currículo 30-60-10, a experiência “mundana” do professor é tão necessária quanto sua qualificação acadêmica.

Metodologia Experiencial: Também denominada Metodologia Ativa, tenciona o desenvolvimento de competências, ao colocar em prática situações e procedimentos para motivar e engajar os aprendizes, como execução de desafios, melhoria de serviços; desenvolvimento de projetos e resolução de problemas;

Metodologia experimental: Visa a criação e sedimentação de conhecimentos, granjeado por meio de pesquisa aplicada, experimento e pesquisa laboratorial e simulações;

As instituições de ensino em todos os níveis, devem abraçar a nova realidade digital cognitiva. Fora da escola, o mundo assentado em tecnologia, alterou fundamental e irrevogavelmente o modo como as coisas são empreendidas. Este é o caso, não apenas para os negócios, mas também para muitos aspectos de nossas vidas. Transfigurar a educação, não significa apenas adotar redes de alta velocidade, mobiles, laptops e smartphones, tais recursos servem meramente como ferramentas. Transformar a educação, expressa desenvolver todo o espectro das inteligências cognitiva, emocional, volitiva e decernere, que são cada vez mais exigidas na cultura do século 21, e isso não se faz tão somente com a adoção de tecnologias, mas com mutação de mentalidade, planejamento de um currículo adequado e aderente à nova realidade, bem como a adoção de metodologias híbridas, afinal a Educação é plural.

Bibliografia:

  • FAVA, Rui, Trabalho, Educação e Inteligência Artificial: a era do individuo versátil, ISBN 978-85-8429-127-4, Série: Desafios da Educação, Porto Alegre, Penso Editora, 2018.

  • FAVA, Rui, Educação para o Século 21: a era do individuo digital, ISBN 978-85-472-0492-1, São Paulo, Editora Saraiva, 2016.

  • FAVA, Rui, Educação 3.0: aplicando o PDCA nas instituições de ensino, ISBN 978-85-02-33184-0, São Paulo, Editora Saraiva, 2014.

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